quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Uma dose de sabedoria

E lá estava ele às sete e meia da manhã com sua pastinha na mão esperando o ônibus chegar. Era um senhor aparentando estar quase com seus sessenta anos, denunciado pelos cabelos grisalhos e rugas que a vida insistiu em deixar. Tinha algo diferente no olhar. Seus olhos brilhavam e ele não aparentava cansaço. Não. Ombros eretos, um leve sorriso no rosto e disposição aparente. Mas não foi isso que me chamou  a atenção naquele senhor. Foram suas palavras. A dose diária de sabedoria que eu estava precisando. A dose que não faz mal a ninguém.

Minha colega chegou para pegar o ônibus conosco. Primeiro cumprimentou o senhor e depois a mim. Em seguida falou aquela frase com três palavrinhas que ando escutando com tanta frequência: "Estou tão desanimada". Engraçado. Não temos nem trinta anos de idade e estamos reclamando de cansaço, desânimo e insatisfação. Eu, tu, eles, nós... todos reclamando. Que geração é essa? A geração da lamentação. Parece que aquela cruz que nossos avós carregaram tão bem está pesada demais para nós. Provavelmente a Coca-Cola da última geração não tenha sido uma boa fonte de nutrientes.

Mas em meio a esses meus pensamentos aquele senhor começou a falar como se já me conhecesse desde sempre (as palavras não foram exatamente essas): "Sabe, a vida é assim. Eu costumo comparar com pescar. Você vai para o rio, debaixo de um sol quente, com mosquitos te picando e fica ali sentado, ou em pé, por horas. É quando o peixe vem. Você pega, leva para casa. Descama, limpa, tempera e frita. Então só ai você come. Você demora esse tempo todo, para no final, ter só aquele breve momento de felicidade. Mas acredito que é um momento que valeu a pena. Então, a vida é esse sofrimento todo, para receber pequenos momentos de alegria. É assim mesmo, acredite. E assim, não desanima não, nunca desanime, pois ai, nem esses breves momentos você terá".

Minha colega me olhou e sorriu. Foi quando ela disse: "Anamaria, você sabia que ele é estagiário de Arquitetura lá na empresa?" Meu mundo literalmente caiu. E com aquele olhar de espanto que não consegui disfarçar o olhei perguntando se realmente era verdade o que ela me dizia. Ele então me contou brevemente sua história.

Parou de estudar no primeiro ano do ensino médio, lá na década de sessenta. Decidiu casar. Teve cinco filhos e com o trabalho de carpinteiro conseguiu dar estudo a todos eles. Cumpriu sua meta. Mas não queria ficar parado. Fez aqueles cursos para terminar logo o ensino médio e prestou vestibular. Passou. No dia da matrícula escutou da funcionária da faculdade, "O senhor está brincando?". Ele não estava. Hoje está na metade do curso. Mora a 240 quilômetros de Goiânia, Jussara, mas está na casa da filha, aqui na capital, para ficar mais fácil. Acredita que com esse curso, poderá largar a parte pesada do seu trabalho de marceneiro, e evitar as farpas nas mãos. Uma coisa ele discorda do resto do mundo. As pessoas perdem a vida toda trabalhando para no finalzinho aproveitar a aposentadoria. Ele não. Aproveitou a vida do jeito que pôde e agora irá estudar e trabalhar. "Não dou conta de ficar parado não".

Era a hora de despedirmos e cada um seguir para o seu departamento. Ele então terminou: "Te digo uma coisa, duas coisas que eu não carrego comigo é raiva e pressa. Com elas, tudo da errado".

Talvez seja isso. Temos pressa demais e nos irritamos por não conseguirmos o que queremos. Raiva e pressa. Duas coisas que tentarei não carregar mais comigo...

Obs: Agradeço todos os dias por essas pessoas existirem e poderem atravessar o meu caminho deixando um pouquinho de sua sabedoria. Obrigada.