terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ironia

Ela sempre assistia a vida de camarote. Não que a vida não fosse sua, mas ela simplesmente achava que aquilo tudo era uma brincadeira de muito mal gosto. As vezes fingia que a controlava. Era como num jogo de cartas, a vida com aquela carta escondida na manga, e a menina jogava fingindo que a vitória seria sua.

Quando deixou de acreditar que podia estar no controle? Tinha 8 anos. Pediu ao Papai Noel que sua mãe voltasse a andar. Acordou no dia seguinte e nada aconteceu. Foi então que seu pai disse, "filha, é a vida". Essa tal de Vida achava que era quem? Será que ela não via que a mamãe estava triste? Vida má.Quem sabe com uma carta, poderia conversar com ela e tudo estaria resolvido?

Início da transcrição

Olá Vida,

Desculpe estar te atrapalhando. Papai disse que você é muito ocupada. São muitas pessoas para tomar conta não é mesmo? Papai Noel te passou o recado? Sei que trabalham juntos...é que o meu pedido não chegou. Fiz todas as minhas tarefas do ano, não respondi a professora e não briguei com minha irmã. Quer dizer, foram algumas vezes, mas a culpa era dela. Acho que eu fui uma boa menina. Pelo menos papai me disse que sim. Sabe, pedi que minha mãe voltasse a andar. Desde aquele acidente, ela passou a ficar só naquela cadeira com rodas. Achei que ela ia achar legal, eu gosto. Coloco na rampa daqui de casa e boto ela para correr. Mas acho que mamãe é adulta né? Parece que eles não veem muita graça nessa coisas. Ela anda triste e não gosto disso. Você também é uma pessoa triste? É que são tantas pessoas tristes que eu conheço... talvez você só esteja querendo companhia. Mas olha, isso não é legal não. Eu tinha a minha gatinha Rosa e o gato Cravo. Quando o Cravo morreu, a Rosa ficou muito triste. Parou de comer e tudo o mais. Depois morreu também. Não quero isso para a minha mãe não. Tem como você voltar atras e me ajudar? Talvez se você fizesse as pessoas mais felizes, você ficaria feliz também. Acho que contagia sabe. Não vou escrever mais não, acho que já te ocupei demais. Estarei esperando,

Atenciosamente,

M.
P.S: Então, se precisar de uma ajudinha, tenho um porquinho, posso quebrar ele ta. To juntando moedas já tem um tempinho.

Final da transcrição

Esperou, um anos, dois, três. A vida não deu retorno. Passou a assisti-la de camarote. Vida má.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um era uma vez

Era uma vez em um vilarejo, não se sabe bem quando no tempo dos homens isso aconteceu, as pessoas viviam felizes e em harmonia. Bem, nem sempre. Era algo mágico, ou causado por deuses, ou alguma força da natureza, elas só eram felizes quando o sol aparecia. Fato que acontecia a cada seis meses. O verão durava metade do ano, e o inverno durava a outra metade. A primavera e o outono não se sabe onde foram parar. Foi então que certo dia o inverno veio e não foi mais embora. O frio era intenso, as pessoas quase não saíam às ruas, e as poucas que saíam, andavam de um lado para o outro reclamando por motivos bobos, ou então chorando por razões que ninguém sabia. Nunca mais alguém sorriu.

Aconteceu que certo dia chegou um homem muito estranho naquele vilarejo. Usava roupas coloridas e pintava o rosto. Diziam que ele era um palhaço. Ele ia para as ruas, cantava, dançava e vendia jujubas. Na verdade, era um pacote de jujubas em troca de um sorriso. Assim que chegou não conseguiu comprar nenhum sorriso. Mas bastou pouco tempo e as crianças foram as primeiras a se renderem. Em poucos meses toda a cidade se reunia em torno do palhaço no centro do vilarejo para rirem e escutar suas histórias. Tudo estava bem.

Mas certo dia o palhaço não apareceu. As pessoas ficaram preocupadas e logo foram procurá-lo. Bastaram entrar na casa do palhaço que o encontraram sem vida no sofá. Em suas mãos havia um livro de poesias, mas não deram muita atenção para isso. Apenas saíram, e continuaram suas vidas tristes. Com o tempo o vilarejo de Heart parou de pulsar e em poucos dias congelou e sumiu para sempre.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Se é para enlouquecer


Se é para me enlouquecer, me enlouqueça direito.
Não sussurre ao meu ouvido 4 ou 5 palavras provocantes e vá. Sussurre 20 a 30 enquanto acaricia meu rosto. Depois dê um beijo no canto da minha boca e aí sim, vire as costas deixando apenas seu perfume forte e o meu rosto sem reação. Me deseje com os olhos. Me coma com eles. Passe suas mãos de leve por minhas costas e me faça ter cala frios. Num beijo morda a minha boca, mas com cuidado. Posso devolver em dobro. Se for beijar meu pescoço que seja bem devagar. Vá desde a orelha até o meu colo. Diga que gosta do meu cheiro. Sempre elogie uma mulher quando esta não espera. O inesperado as vezes excita. Diga que voltará no outro dia e não volte. Me deixe chingá-lo até cansar e depois apareça. Então fique dois dias seguidos. Nos intervalos me abrace como se jamais fosse me deixar.
Agora, se é para me fazer te odiar por dias indeterminados, faça tudo isso e nunca mais volte.
Não se preocupe, vocês são bons nisso*.

*vocês são bons, mas nós somos excepcionais.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Confissão

Outro dia vasculhando o meu guarda-roupa encontrei aquela música que você escreveu para mim. Já nem lembrava a letra. Na verdade o refrão eu lembrei assim que o li. Tinha o meu nome. Você sempre dizia que músicas com nomes eram para sempre. Você acreditava que seríamos para sempre. Eu pensava comigo mesma, "Isso é muito para um mortal" e com um sorriso eu concordava falsamente com você. Ao ler novamente aquela música eu chorei. Enquanto você escrevia juras de amor eu simplesmente as recebia indiferente. Dói lembrar o quanto ruim eu fui com você. Eu não te amava, talvez eu nunca te amei e até hoje me pergunto o que pode ser o amor. Lembra quando disse que meu coração era de gelo? Você estava errado. Só tenho um coração difícil demais para se alcançar. Uns tentaram, outros desistiram no primeiro problema e para a sua felicidade ninguém mais tentou. Eu queria que você estivesse certo. A minha vida seria mais fácil se eu tivesse mesmo o coração de gelo.
As vezes me culpo pelo que nos tornamos.