terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Blackbird

E foi olhando para o céu que ela o viu pela última vez. Ela sabia que um dia ele iria embora, mas não imaginava o quanto ia doer ter que vê-lo partir. Estava feliz, claro. Blackbird havia melhorado e agora teria o céu para si novamente. Mas ao mesmo tempo Mary não queria que ele se fosse. Desde o dia em que ela o encontrou ele passou a ter uma parte naquele coração antes tão solitário. Todos os dias depois de enfrentar telefonemas, atendimento à imprensa e coletivas, vida que para uma assessora como ela só com café para ajudar, Mary sentava naquele mesmo banco da praça, embaixo daquela árvore que estava ali antes mesmo da cidade existir. Estava no meio de uma discussão consigo mesma do porquê de tudo aquilo, de tanta coisa ruim vindo como uma enxurrada em sua vida, quando ele caiu. No começo levou um susto e depois ficou imaginando como podia existir coisinha tão feia. Em seguida veio o sentimento de culpa por ter pensado tão mal daquele pobre passarinho. Sua asa estava quebrada e precisava de ajuda. Mary o levou para casa e tomou uma decisão que até então nunca tinha passado por sua cabeça. Cuidar de alguém. Ela tinha medo. Mary tinha medo de se apegar e de se tornar dependente. Isso não era para ela, uma jornalista de 30 anos e independente. Mas ele era só um pássaro e que mal haveria em cuidar de um? Mas Mary caiu no jogo do seu próprio medo. Passou a sair do trabalho e ir direto para casa, só para ver logo como ele estava. Há três dias ele já tinha voltado a cantar e sempre que ela chegava ele começava a se apresentar para ela. Blackbird havia se tornado o seu único amigo e fiel companheiro. Todas as suas tristezas, dúvidas e desabafo era a ele que ela recorria. Era um monólogo, mas ela precisava dele. Foi então que Mary reparou no seu grande e invisível egoísmo. Não era ali que Blackbird deveria estar e sim fazendo aquilo para o qual ele nasceu. Doía, mas era isso que deveria ser feito. Ele deveria ser livre. E era no céu o seu lugar. Mas como deixar partir alguém que tornou a sua vida tão especial em tão pouco tempo? Ela havia se tornado responsável por ele e dependente do seu canto e presença, mas obrigar Blackbird a ficar não seria certo. Foi então que com o coração partido e com lágrimas nos olhos Mary o deixou partir. E foi olhando para o céu que ela o viu pela última vez.



Blackbird havia partido, mas deixado para trás um coração que agora sim sabia o verdadeiro valor de poder cuidar de alguém.





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